Restaurações em áudio

Duas décadas depois do advento do CD, os discos de vinil seguem à frente de uma legião de admiradores e colecionadores. No entanto, como, aliás, não poderia deixar de ser, eles mesmos também vêm preferindo ouvir os seus vinis em CD! Claro, afinal todos sabemos que um CD sempre toca o mesmo som, ao contrário da velha bolachona que chia um pouquinho mais a cada audição. É mais que um direito do consumidor, é até um dever preservar suas cópias dos fonogramas de seus ídolos, transferindo-as para um suporte mais durável, como o CD. Vejamos aqui como fazer isso.
Equipamento. Para passarmos o áudio do vinil para o CD, vamos precisar de um bom toca-discos com uma agulha boa e nova, um receiver doméstico (também pode ser um mixer ou um amplificador integrado), alguns cabos e um computador com gravador de CD, placa de som e programas para edição e masterização de áudio. Depois que conseguirmos o mais difícil, que é reunir toda essa parafernália, seria um desperdício só copiar, sem tentar recuperar a qualidade sonora de nossas gravações. Os programas de edição de áudio, como o Sony Sound Forge ou o Steinberg WaveLab possuem recursos próprios e diversos plug-ins que os tornam poderosíssimas plataformas de restauração.

Não é muito difícil encontrar lojas que comercializam toca-discos, especialmente nos grandes centros. Escolha um de ótima qualidade de reprodução, estável, bem regulado. Use agulha nova e de boa marca. Ajuste o contrapeso do braço da agulha segundo o manual, para que o peso da agulha fique exatamente como recomendado.
O computador é um modelo básico (Pentium ou Athlon) mas bem montado, com peças de qualidade e bem compatíveis entre si, para evitar conflitos que possam afetar o áudio ou comprometer a operação dos programas. Leia algumas sugestões para otimizar o desempenho do seu PC no endereço .
O gravador de CD é um desses modelos para computador, bons e baratos. O que vai fazer a diferença em termos de sonoridade, em primeiro lugar, é a placa de som. Os conversores analógicos/digitais (AD) ficam nas entradas das placas e transformam o áudio analógico que chega pelo cabo em som digital, que é a representação numérica dos sons no computador. O que se deve atentar aqui é para o fato de que as placas de multimídia, em geral, não possuem conversores AD de tão boa qualidade quanto as placas de áudio para home studios, como a Echo Mia ou a M-Audio Audiophile, por exemplo. Existem também ótimos modelos de placas portáteis com conectores USB ou firewire dessas e de outras marcas.
Limpeza do disco. Começamos limpando o disco de vinil para remover gordura, poeira e sujeira em geral. Para isso, lavamos o disco. No tanque de lavar roupa, lave o vinil com sabão de coco (pH neutro) em movimentos circulares com a mão cheia de sabão sob a água da torneira. Repita os movimentos circulares até que o disco fique todo ensaboado. Depois, enxágüe bastante sob a água até não sobrar nenhum resíduo. Ponha os vinis para secar no escorredor de pratos (!) e, quando estiverem secos, coloque o primeiro no toca-discos.
Conexões. Não podemos ligar o toca-discos diretamente na placa de som, pois as entradas de áudio da placa e as saídas da pick-up não são da mesma impedância. O ideal é passar o som do vinil por um receiver que tenha entradas “Phono”, que pode ser substituído por um amplificador ou por um mixer para DJs. Conecte as duas saídas de áudio RCA do toca-discos nas duas entradas “Phono” do receiver. Um terceiro fio, sem plugue, também sai do toca-discos. É o fio terra, que precisa ser contatado ao chassi do amplificador. Simples: se o receiver tiver um botão (na verdade, um parafuso) chamado “Ground” (terra), afrouxe-o e enrole nele o tal fio desencapado, voltando a apertá-lo em seguida. Se não existir o parafuso Ground, afrouxe um dos parafusos do gabinete do receiver e fixe nele o fio terra, voltando a apertá-lo. As saídas Line out (esquerda e direita) do receiver serão conectadas às entradas da placa de som.
Gravação. O programa mais usado é o Sound Forge. Basta clicar em Record, escolher um modo de gravação e começar a passar o disco para o computador. Podemos gravar um lado inteiro do disco num único arquivo de áudio, que será salvo no formato WAV. Depois, cortamos os arquivos, música por música. A resolução dos arquivos será sempre de 16 bits, 44.1 kHz e estéreo.
Processamento. Existem dois tipos de ruídos inconvenientes nos arquivos criados a partir de discos de vinil. Ruídos contínuos (chiado, ruído do motor do toca-discos) e intermitentes (estalos causados por sujeira, eletricidade estática e arranhões) serão reduzidos por programas de uso específico.
Após gravarmos o arquivo, selecionamos um pequeno trecho de silêncio antes do início ou após o fim da música. Na verdade, o trecho contém o ruído contínuo que está também por trás de toda a música. Abrimos no Sound Forge o plug-in Noise Reduction, do mesmo fabricante, na seção , clicamos em e em . No botão regulamos o grau da redução do ruído, para não comprometer a qualidade do áudio. Leia mais detalhes sobre o uso do Noise Reduction em .
O próximo alvo da nossa faxina sônica são os cliques e estalos de modo geral. Aqui, temos várias técnicas, novamente resolvidas pelo Sound Forge & plug-ins ou por seus concorrentes. Para tirar sons de arranhões e estalidos diversos, temos recursos automáticos, semi-automáticos e até um lápis para você redesenhar as ondas sonoras de cada música até o ano que vem. Bem, dependendo do material, do valor estimativo ou de quanto você vai ganhar, pode até valer a pena.
O Sound Forge, no menu Tools, submenu Repair, tem os comandos e . Os cliques curtos vão se beneficiar do Interpolate, enquanto os scratches ou arranhões mais longos são removidos com o Replace. Selecione um mínimo trecho em volta de um clique e aplique Interpolate. Pronto, sumiu o clique. Selecione agora a área destruída por um arranhão e o recurso Replace substitui o trecho arranhado pelo material vizinho, fazendo sumir o arranhão. Se não houver tempo para corrigir os estalos e cliques um por um, recorra ao plug-in Click and Crackle Removal, da mesma marca, e acabe com a grande maioria dos estalos de uma só vez.
Quando o arquivo sonoro ficar limpinho, podemos normalizar o seu volume e, se for o caso, equalizar as freqüências e comprimir a dinâmica um pouquinho. Muitas vezes, só a compressão já dá bons resultados para dar mais volume às gravações antigas. Sons muito abafados ganham vida com um enhancer como o plug-in DSP/FX Aural Activator.
Corte. Depois da faxina, corte o início e o fim dos arquivos simplesmente selecionando-os e pressionando Delete, mas não deixe de criar um micro fade in no início e um fade out também minúsculo no final de cada arquivo para evitar estalinhos. Se preferir, o Sound Forge corta essas pontas do arquivo automaticamente. Clique em Process, Auto Trim/Crop e escolha o preset <Trim silence from ends>, que ele faz o serviço todo.
Batch Converter. Por falar em fazer o serviço todo, o programa Batch Converter, da Sony, permite realizar todas essas rotinas de processamento e edição dos arquivos automaticamente numa grande quantidade de arquivos de uma vez, segundo um roteiro de plug-ins preestabelecido. Aprenda a usá-lo em . É fantástico! Ele faz toda a edição por você, basta criar um roteiro como o citado acima, a partir de padrões que você mesmo pode criar.
CD Architect. Este é um programa fácil de usar e muito completo, para completar o nosso trabalho. Organiza as músicas no CD com incríveis recursos de edição e processamento não-destrutivos. Conheça-o em . Se preferir, use o Nero ou o Easy CD Creator, mas duvido que prefira. Use CDs de ftalocianina como os prateados (Mitsui, Sony, Philips e muitos outros) de boa procedência. Mídias paraguaias tendem a não tocar em muitos CD players. E, afinal, depois de todo esse trabalho, copiar para uma mídia ruim era só o que faltava!
Sérgio Izecksohn (sergio@homestudio.com.br) é músico, produtor e professor-coordenador dos cursos do Home Studio

Publicado na Revista Backstage em 2004

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