Vovó já ouvia em tempo real

Talvez seja um choque para você, mas o "real time" não nasceu com a internet...

Quando o avião se chocou contra a primeira torre, Elisa estava trabalhando em casa, a tevê ligada. A programação foi interrompida, e a bióloga girou a cadeira, ainda sem entender o fogaréu que saía do World Trade Center. Ficou alguns segundos apática, até que pulou de sopetão e soltou um berro:

– Credo!

Neste mesmo instante, seu filho Joca acessava, no quarto, todos os sites noticiosos que podia, em busca de qualquer nova informação. Foi então que o outro avião arrebentou com a segunda torre. Os dedos pararam no teclado, e ele surrurou alguma coisa que parecia ser…

– … meu Deus…

Elisa e Joca se esbarraram no corredor, trocaram um rápido “já soube?”, e foram até a cozinha – não sem antes formar um rápido conselho de família.

– Antes que sua vó saiba o que está acontecendo, é melhor prepará–la. Um acidente horroroso como este choca qualquer um, ainda mais…

– Que acidente, o quê! Foi ataque terrorista, gente!

Os dois olharam para a porta da cozinha, e Dona Carlotinha descascava batatas tranqüilamente.

– Em que planeta vocês estavam? Estou com meu radinho ligado há um tempão e eles entraram direto de Nova Iorque. Ah: e caiu outro avião em Washington.

Elisa e Joca ainda tiveram tempo de se imaginar como dois seres de uma estranha era jurássica ao inverso, antes que a boa vovozinha desse a punhalada final.

– Desliguem a televisão e o computador! O mundo tá terminando e vocês nem para economizar energia, meu povo! Meu radinho é a pilha, sabiam?

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Ainda nos orgulhamos do jornalismo online como ápice do esforço de apuração. No Everest da Comunicação, está fincada a bandeira do “tempo real” da internet, quando deveríamos perceber que, ao lado, tremulam há tempos as bandeiras do rádio e da televisão.

Noticiário em “tempo real” – ou “real time” – não é, nem nunca foi, o grande avanço do jornalismo online. O século XX consagrou este estilo mais do que necessário de apuração, e que mudou para sempre a face do jornalismo. Mas em seu Panteão, sempre estarão, lado a lado, rádio e televisão.

Sim, há lugar para nossa cria, mas neste pódio subiremos para receber um honroso terceiro lugar. Mais uma vez, com a internet fizemos e faremos a Evolução – mas nunca a Revolução, pois esta já foi feita por outros pioneiros, há muitas décadas…

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Nesta cadeia evolutiva, temos um fantástico campo a explorar, e o horizonte vai muito além do – indispensável, diga–se de passagem – “real time”.

O jornalismo online é diferente porque:

Traz perenidade à notícia. A notícia da tevê, do rádio ou do impresso são voláteis, se esvaem no ar. Você viu e ouviu – mas passou, ou então virou embrulho de pão. Na internet ela permanece, e se expande, novos aspectos são agregados e criam–se células de informação, como minúsculas agências de notícias específicas sobre um determinado assunto. Eternas, se necessário.

É ferramenta para pesquisa. Se o grande The New York Times constatou de que o conteúdo mais acessado é sempre o banco de notícias – em bom português, a “notícia de ontem” –, é hora de nos preocuparmos com o que já foi destaque na primeira página e hoje está acumulando poeira nos porões dos nossos sites. Hoje, o nyt.com cobra pelo acesso às profundezas, e nelas também mora, agora, um reluzente pote de ouro…

Curioso que, no suposto reino do real time, seja o Passado que garanta um Futuro glorioso – e não o Presente.

Pense nisso, portanto....

agradecimentos a Bruno Rodrigues

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